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ENTREVISTA Tarifaço de Trump

'É pressão para o Brasil se aproximar dos EUA porque há preocupação com o Brics', diz ex-executivo do BID

Para Márcio Sette Fortes, Trump se irritou com discurso de alternativa ao dólar, teme avanço de China em pagamentos digitais e vê multas a big techs como 'afronta aos negócios'. 'Tarifas embutem desconfortos diversos'

18/08/2025 06h03 Atualizada há 5 dias
Por: Redação
'É pressão para o Brasil se aproximar dos EUA porque há preocupação com o Brics', diz ex-executivo do BID

Os EUA fecharam canais de negociação com o Brasil para elevar ao máximo a pressão sobre o país com a imposição de tarifas, avalia o economista Márcio Sette Fortes, ex-executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e professor do Ibmec, em entrevista ao GLOBO.

Fortes destaca as motivações que considera relevantes por trás da taxação de produtos do Brasil em 50%, atreladas ao protagonismo do país no Brics e à preocupação da gestão de Donald Trump  com a proximidade do Brasil com a China. O cerco regulatório às big techs também entram na equação, e não por acaso, diz o especialista, Canadá e Europa deixaram em segundo plano suas regulações digitais neste momento.

Por que Trump impôs tarifa tão alta ao Brasil? E por que o anúncio foi feito no mesmo dia da sanção a Moraes?

Com a China, a tensão se dá não apenas do ponto de vista comercial, mas da ideologia do governo chinês. Ou seja, há uma tentativa de forçar um alinhamento do Brasil aos EUA. Pesam ainda avanços em sistemas de pagamentos digitais que podem substituir o dólar em transações internacionais, como vem sendo defendido pelo Brics.

Para ele, o objetivo da taxa de 50% sobre o Brasil (a maior do mundo) é pressionar o país — inclusive usando argumentos políticos — a ceder em pontos de interesse do governo americano. Mas ele duvida que um acordo seja alcançado até o próximo dia 6, quando a taxação entra em vigor.

A mistura de motivações políticas e econômicas pesa nas tarifas e sanções recentes dos EUA ao Brasil? E o Brics?

Existe uma insatisfação dos Estados Unidos com o posicionamento do Brasil no âmbito do Brics. O Brasil guarda uma relação de segurança hemisférica com os EUA. E, ao mesmo tempo, se aproxima de China e Rússia.

Trump já falou isso de forma clara. A política permeando toda a questão é usada para justificar (as medidas comerciais). E pode piorar. Vimos a escalada feita com a China, com tarifas que alcançaram 145%. E nós levamos, de graça, uma lambada. Estamos com a tarifa mais alta. É pressão para o Brasil se aproximar mais dos EUA porque há preocupação com a proximidade do Brasil com o Brics, com a China. E ainda há os novos parceiros (do Brics), a exemplo do Irã.

Mas a China já é o maior parceiro comercial do Brasil.

A China tomou o lugar dos EUA como principal parceiro comercial do Brasil há anos. Mas há preocupação americana com a proximidade do Brasil com o governo chinês, com a identificação política maior. Tem uma proximidade ideológica com a China. E existe uma preocupação com a China fazendo pagamentos digitais.

O uso de stablecoins (criptomoedas lastreadas em moedas tradicionais) avança como meio de compensação de ordens de pagamento. E tem mais agilidade, se sobrepondo ao sistema do Swift (mecanismo internacional desde a década de 1970). Os chineses já têm essa coisa muito mais rápida na tecnologia, é uma cadeia toda baseada em blockchain, com mais segurança em pagamentos digitais.

As tarifas miram outros membros do Brics, como África do Sul e agora a Índia?

Existe uma questão com determinados países do Brics, com os fundadores; toda a questão com a Rússia pelas negociações dos EUA que não avançaram como esperado em relação à Ucrânia; com a proximidade entre Brasil e China, da China já ser o contraponto de poderio econômico e político da atualidade. Então, as políticas tarifárias contra o Brasil embutem muitas coisas, desconfortos diversos dos EUA. É uma agenda para negociar.

E a regulação de big techs?

Basta olhar para o Canadá, que suspendeu a taxação de serviços digitais. Mesmo a União Europeia, que também tem uma regulação na área, parou de falar sobre o assunto para negociar com os EUA. Tem que ser muito cuidadoso nesse momento. Estamos lidando com grandes corporações, a exemplo de Meta, Alphabet, Google. Regulação traz multas, é uma afronta aos negócios americanos. E, cada vez que há empresas ameaçadas, os EUA reagem.

O uso da Seção 301 não é uma novidade. O uso da Lei de Emergência para justificar a política tarifária está sendo questionada na Justiça. Se a Suprema Corte vier a cassar (o uso dessa lei), vão ter outras. E os EUA ainda podem criar situações constrangedoras. Então, precisa muita delicadeza nesse momento negocial. Eles são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Para eles, porém, somos o 12º.

A sanção ao ministro Alexandre de Moraes é para pressionar por acordo comercial?

É uma demonstração de pressão política. O governo brasileiro destacou que existe ingerência política. Mas, quando vemos os efeitos do aplicação da Lei Magnitsky, eles recaem sobre o Alexandre de Moraes. Os EUA reclamam do país e afetam a pessoa. É um fardo pesado para a pessoa. E um caminho para pressionar o judiciário.

O ex-presidente (Jair Bolsonaro) está inelegível, e ano que vem teremos eleições. Não sei quais as expectativas dos EUA, que ele se torne elegível ou apenas não seja, como eles dizem, um “perseguido político”. Existe uma identificação ideológica entre o governo americano e o ex-presidente. Não seria esforço para trazê-lo de volta ao cenário político?

Com o decreto de Trump, como o Brasil deve negociar?

O Brasil tem ímpetos de mostrar que tem capacidade de retaliar porque existe uma lei de reciprocidade. Mas isso não significa que pode ser usada como um primeiro instrumento porque pode piorar as coisas. E o Brasil vinha afirmando que não iria retaliar e que está no caminho da negociação. Mas os Estados Unidos não se mostraram afeitos a isso num primeiro movimento.

Fica claro, pelo tom político, que há pouca disponibilidade de negociação justamente para que as tarifas levem o Brasil a se esforçar mais nas negociações. Os EUA criaram a lista de exceções. De resto, vão deixar os 40% (adicionais) pesar sobre os 10% iniciais para que o Brasil se esforce e ofereça algo que os americanos tenham interesse. Exige diplomacia, negociação comercial. O foco é reduzir impactos na nossa economia.

De que forma?

O que os EUA querem são concessões dos outros países na mesa de negociação. O que querem em troca do Brasil? Vejo algumas opções. Há interesse em exportar etanol para cá. Existia um compromisso de redução tarifária do lado do Brasil. Viria um conflito com os produtores locais, mas esse interesse existe. Outro são as terras-raras. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial, mas não tem capacidade de processamento tão grande quanto à da China, que é o principal produtor.

Os EUA têm disponibilidade baixa de terras-raras e não querem depender do mercado chinês. Vejo ainda as cadeias complementares da indústria, produtos semiacabados exportados pelo Brasil, como aço e alumínio, sobre os quais já havia taxa adicional. Poderia haver também oferta em relação ao café, muito utilizado no mercado americano. Por fim, o Brasil poderia esperar pela implementação das tarifas e pelo repasse de custo disso para os produtos nos EUA, para ver o impacto na inflação.

É viável um acordo até 6 de agosto?

Esse prazo é para mostrar que a tarifa vai entrar em vigor. Não acredito em negociação em tão curto prazo. Eles vão deixar começar a vigorar, e o setor produtivo vai pressionar por mais empenho do governo em negociações. E a questão é: em quanto esperamos baixar a tarifa de 50%? Esse patamar é alto e inviabiliza exportações para diversos setores.

As portas de negociação dos EUA se fecharam?

Fecharam as portas, os canais. Houve o encontro entre o (secretário de Estado americano) Marco Rubio e o (ministro das Relações Exteriores) Mauro Vieira, mas trata-se de um encontro de alto nível. O Brasil queria mostrar sua insatisfação com a ingerência americana, se posicionar. Por cortesia, um recebeu o outro. Não tem espaço visível para negociar. Não há canal entre o USTR (representante comercial dos EUA) com o Brasil. O atual governo Trump começou há seis meses. Para mostrar que o Brasil não é prioridade, não temos um embaixador americano até hoje, apenas um encarregado de negócios. Os EUA nomearam mais de 60 embaixadores. E o Brasil fica de fora. É outra forma de manter o canal fechado. FONTE JORNAL O GLOBO

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